quinta-feira, junho 15, 2006

RETALHOS - O princípio do fim

A contestação oblíqua ao sistema colonial, de forma camuflada e sobre a capa de reivindicações laborais é afogada em sangue pelas punições militares e paramilitares. Três manifestações, por melhores salários, acabam em morticínios: a 3 de Agosto de 1959, em Pidjiguiti, na Guiné, cerca de cinquenta estivadores são mortos numa acção reivindicada pelo PAIGC – Partido Africano para a Independência de Guiné e Cabo Verde; em Janeiro de 1960, em Mueda, em Moçambique, as forças coloniais massacram centenas de camponeses; em Janeiro de 1961, na Baixa de Cassange, em Angola, milhares de apanhadores de algodão são chacinados. Tudo isto dá lugar à contestação frontal, a 4 de Fevereiro de 1961, em Luanda. Um grupo de nacionalistas angolanos ataca duas cadeias e o quartel da Polícia Móvel com o objectivo de libertar camaradas presos. Este acto violento de revolta e ao mesmo tempo de reivindicação de angolanidade, simboliza o princípio do fim do “3º Império”, do Império Africano de Portugal.
Precisamente uma década depois, nos primeiros dias de 1971, apresento-me, com o Fuíza, o Araújo e o Fitas, em Lisboa, mais propriamente em Monsanto, no GDACI - Grupo de Detecção, Alerta e Conduta da Intercepção. E ali me é atribuído o nº 4/71 sendo alojado numa camarata com outros militares da Policia Aérea.
Ao sermos apresentados aos colegas da caserna, tomo o primeiro contacto com um ex-combatente deficiente. Este tinha uma prótese que lhe substituía não só a bota, perdida algures em Moçambique, mas toda a perna. Restava-lhe apenas um toco onde se aparelhava o apetrecho que o ajudava a mover-se e a deslocar-se todos os dias para a cidade. Tentava dar um novo rumo á sua vida, já que a morte não o conseguiu derrotar. Era um indivíduo extremamente inteligente. Tentava por outros meios refazer a vida, sozinho, preferindo ficar na capital do que regressar à sua terrinha. Com a anuência do comando do GDACI, ali “morava” connosco como se de um militar ainda se tratasse. Tinha “direito” a alojamento e alimentação e procurava romper na vida como técnico de reparação de rádios e televisões.

1 comentário:

Anónimo disse...

Terriveis mortícinios ,ceifando vidas e sonhos,reivindicações justas.Manchas que ficaraõ sempre impregnadas!.
Imagino ,como ficou o coraçaõ e alma de você e seus amigos que estavam iniciando o caminho,e tendo a visaõ de um ex combatente com as terriveis sequelas de uma guerra!