sábado, junho 17, 2006

RETALHOS - O princípio do fim I

Ao fim de oito meses de instrução e preparação, para uma guerra algures em África, apercebi-me, desde o primeiro dia, que este destacamento para a polícia podia ser como umas férias merecidas. Antes que a guerra tomasse conta de nós, esta era a última oportunidade de respirar a liberdade e apreciar a capital histórica de melancólicos encantos e grande beleza. Os seus bairros medievais de Alfama e Mouraria, o Bairro Alto e a Madragoa, com as suas ruas típicas, dão um toque tradicional e folclórico devido aos seus casarios.
Na primeira semana, fiquei espantado e atónito com as facilidades que dispunham outras armas, das mesmas forças armadas, e para as quais não estava minimamente preparado. Espantoso isto. O regime, a que vinha habituado, era extremamente rigoroso. Não havia lugar a cansaço nem a adormecimento na forma, quanto mais poder-me “desenfiar” do quartel e regressar 3 semanas depois, como se nada tivesse acontecido. Em tempo de guerra fui afeito e formado a nunca transgredir em qualquer situação, a cumprir sem regatear ou sequer questionar qualquer ordem ou dever. Um dia, tive de dar uma marrada sem capacete, numa árvore, caindo como um tordo, só porque o sargento entendeu punir-me, para exemplo de todos, a pretexto de algum abrandamento meu. De uma outra vez, já no fim do curso de combate, depois de uma marcha de 40 quilómetros, durante 4 horas, com botas calçadas e transportando o restante equipamento, chegámos completamente exaustos, esfomeados e sedentos. No refeitório, em vez de uma suculenta refeição para repor o que aquela estafa nos tinha levado, encontrámos, em cima das mesas, um papel em forma de cavalete dizendo: ”isto é a vossa refeição!”.
Chegou, junto de nós, um furriel, sem qualquer postura militar, como se de um civil se tratasse. Depois das apresentações da praxe foi dizendo-nos:
“- Vocês, aqui, são quatro pára-quedistas e vão estar de serviço, um por dia, às rondas no exterior do quartel, portanto…” – colocando um pé no beliche, continuou:
“ – Dizia eu que, como só precisamos de um Pára-quedista de cada vez. Desde que, aquele que cá ficar, assegure diariamente os serviços de ronda, os restantes podem ir para casa.” – olhámos uns para os outros atónitos, mas sem nos atrevermos a dizer qualquer palavra.
“ – Atenção que esse “desenfianço” é por vossa conta e risco. Eu, não disse nada.”
O Furriel com aquele ar de menino do papá, abandonou a caserna, como se tivesse feito um discurso importante.
“ – Ai que caralho, isto é assim?” – interrogou logo o Fiúza.

4 comentários:

Anónimo disse...

continuo a ler esta parte da tua vida sempre com muito enteresso..com episodios que nem imaginava, nao sei como pessoas podiam ser tao duros com jovens, mesmo sendo uma preparaçao para a guerra..
e desses 4 para , qual ficou , fostes tu ?
tem um bom fim de semana
um beijo

José Marques disse...

Pois. Mas a vida de um militar de uma tropa especial e ainda por cima em preparação para enfrentar uma guerra, não é nem nunca foi tarefa fácil.

Anónimo disse...

Usavam atos desumanos de punição para mostrar poder.
Quantas angústias ,indagações ,medo,revolta povoavam o interior desses jovens........?!
Ligia

Anónimo disse...

VIDA É FEITA DE MUITAS COISAS, BOAS E MÁS É PENA QUE O SER HUMANO NÃO VEJA QUE NEM TUDO VALE A PENA QUANDO NÃO É FEITO COM AMOR COMPREENSÃO CARINHO, LEIO QUANDO POSSO O QUE ESCREVE E TEM NO SEU BLOG. TENHA UMA BOA TARDE
M.A.C