quinta-feira, junho 01, 2006

RETALHOS - Não sei para onde vou… mas vou (fim)

Todos os que se apresentaram, formaram na parada do quartel, bem alinhados e disciplinados. Sentiam-se numa antecâmara onde nem todos conseguiam disfarçar uma crescente angústia, como os bois quando se apercebem que vão para o matadouro. Pela memória passavam as imagens tristes que o povo já se habituara a ver na televisão: o navio afastando-se do cais, o choro das mães, as lágrimas enroladas nos lenços brancos da despedida e da incerteza da volta.
O tempo corria depressa neste restinho de liberdade sufocada, da primavera marcelista. Os que não embarcaram para a Guiné foram encaminhados, para outras tarefas.
A semana entre o Natal e o Ano Novo, de 1970, era uma transição para outras paragens. A companhia estava mobilizada para embarcar para a Guiné. A vintena que ficava, iria render os do curso anterior por forma a que estes se juntassem no embarque já aprazado para as primeiras semanas do novo ano.
O 1º sargento Capucho, que nos tinha acabado de ministrar o curso de combate, era um homem aparentemente frágil. Tinha o corpo pequeno e adelgaçado e a tez bem marcada pelas campanhas de África e o sol algarvio. Mancava, ligeiramente, devido a um ferimento em combate, mas isso não o impedia de se colocar a nosso lado em todos os exercícios. Com o seu exemplo, no curso de combate, fez de nós melhores homens, mais fortes, mais determinados e melhor preparados para a vida e para a morte. Foi ele que nos informou, em primeira-mão, o que nos esperava nos próximos tempos até sair a próxima fornada para nos substituir. Depois, todos ou quase todos iriam acompanhar a próxima fornada de combatentes e partir para o ultramar, lá para o verão.
“ - Como a velhice é um posto, vou chamar já os primeiros quatro homens para irem prestar serviço para a PA, em Lisboa, como sabem Polícia Aérea. Certo Patacão?” – disse o sargento Capucho.
“ – Eu na sei nada, meu Sargento.” – respondeu o alentejano nunca sabendo de nada na sua matreirice de chaparro, olhando imediatamente, para mim, atitude que foi acompanhada por todos os demais, como se eu não soubesse que tinha o número mais baixo e portanto o mais antigo.
“ – Parece que sou bruxo” – pensei logo, pois sabia que sendo o mais antigo já me tinha safo, por uma unha negra, de ir bater com os cornos na Guiné mas de ir para as polícias não escapava.
O sargento Capucho, com aquele ar de puto reguila e com a boina atirada um pouco para trás, sacou de uma folha e continuou:
“ - Como vos conheço de ginjeira, vou chamar-vos pelos nomes e dão um passo em frente os soldados: Marques, Casimiro, Araújo e o Fitas”.
Depois de uma breve pausa, para poderemos digerir melhor a informação, acrescentou:
“ - Vão ter que se apresentar no GDACI em Monsanto, a 5 de Janeiro. Os restantes ficarão cá no regimento.” - e foi continuando:
“- O Martins, como tem cara de perdigueiro algarvio, vai tirar o curso de tratador de Cães de Guerra. Estou a brincar contigo pá, também sou algarvio, sei que gostas de cães e tens uma certa feição para lidar com os cães.”
O Martins, não escondeu a sua alegria pois foi sempre esse o seu sonho.
“- Para o refeitório ficam: O Covilhã, o Cunha, o Risotas, o Patacão de um cabrão” – disse com ar de gozo para o bom gigante, continuando a listar mais uns quantos para o refeitório.
E lá foi nomeando, um a um, para os seus novos “empregos”. Quando deu por terminada a atribuição de tarefas, mandou destroçar todos os que iam exercer novas funções, até que chegasse o dia, mais lá para o verão, de sermos todos mobilizados para África. Acompanharíamos o 1º curso de combate de 1971 que agora se iniciava e por lá encontraríamos outros meus patrícios.
“- Do mal o menos, sempre vou para a guerra com mais gente da minha terra.” - Lembrando-me logo do Ramos da Areosa, do Martins de Valença e do Lima da Correlhã.

2 comentários:

Anónimo disse...

Com muita sensibilidade você nos leva ao mundo dos jovens nos anos 70 que iriam lutar pela pátria!
A ansiedade do momento da escolha,ansiedade do momento da partida..............
Mas também sei,que isso tudo passado com vocês,os transformou em grandes seres humanos!!!!!!Ligia

Vida e Caminhos disse...

Olá Meu Amigo

Vim dar uma bisbilhotada e ver o k andas a escrever, sabe k é sempre bom vir aki e conhecer um pouco mais
Um lindo final de semana
Um beijo
Silvia

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